Distanásia: o tratamento médico fútil e/ou inútil. Da angústia à serenidade do equacionamento bioético
DOI:
https://doi.org/10.29386/reb.v75i300.261Parole chiave:
Bioética, Distanásia, Tratamento fútil, Cuidado, PhiliaAbstract
Síntese: O prolongamento sofrido do processo do morrer, que mais acrescenta sofrimento e prorroga morte, é uma das questões bioéticas mais complexas e debatidas hoje, no contexto de cuidados de final de vida. A complexidade inicia-se na própria definição semântica desta problemática bioética. Nossa busca é marcada pela “angústia criativa” (não a patológica que nos paralisa frente à vida) que busca identificar vários termos e neologismos para nomear e definir a questão bioética: distanásia, medicina/e/ou tratamento fútil e inútil, e para definir aquela ação diagnóstica e terapêutica médica que já não mais beneficia o paciente em sua fase final de vida. Para o equacionamento da problemática bioética buscamos luzes na literatura científica médica e bioética internacional, bem como na tradição da ética médica brasileira, em sua versão codificada. Embora um determinado tratamento possa ser fútil e, portanto, inútil, o cuidado nunca será fútil e inútil. No coração de toda ação de cuidar deve estar presente a “philia” (amor, amizade). Podemos, sim, ser curados de uma doença mortal, mas não de nossa mortalidade e finitude. Nossa condição de existir não é uma patologia. Quando esquecemos isto, caímos na tecnolatria, e os instrumentos de cura e cuidado facilmente se transformam em ferramentas de tortura. O presente artigo procura apresentar uma metodologia de como lidar com estas situações eticamente conflitivas, ao aprofundar alguns conceitos éticos fundamentais, tais como: processo de deliberação, decisão e responsabilidade médica e o papel de comissões de bioética. A busca do adequado equacionamento ajuda-os na trajetória que vai da angústia à serenidade.
Palavras-chave: Bioética. Distanásia. Tratamento fútil. Cuidado. Philia.
Abstract: The painful extension of the dying process, which brings more suffering and delays death, is one of the most complex bioethical issues discussed today in the context of end of life care. The complexity begins in the very semantic definition of this bioethical problem. Our quest is marked by a “creative anguish” (not by the pathological one that paralyzes us in the face of life) that seeks to identify various terms and neologisms, in order to give a name to and define the bioethical issue: dysthanasia, futile and useless medicine and/or treatment; and also in order to define that diagnostic action and medical therapy that no longer benefits the patient in his/her final stage of life. For the equating of this bioethical problem, we look for some light in the medical scientific literature and in international bioethics, as well as in the tradition of the brazilian medical ethics in its codified version. Although a particular treatment can be futile and therefore useless, care will never be futile and useless. At the heart of every act of caring “philia” (love, friendship) must be present. Yes, we may be cured of a deadly disease, but not of our mortality and finitude. The condition of existing is not a pathology. When we forget this, we fall into the technolatry, and the instruments of healing and care easily turn into instruments of torture. This article attempts to present a methodology for dealing with these ethically conflictive situations, as it deals with some basic ethical concepts such as deliberation, decision and medical liability and the role of bioethical committees. The search for the appropriate equation helps us in the path that goes from anguish to serenity.
Keywords: Bioethics. Dysthanasia. Futile treatment. Care. Philia.
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